16 de jan. de 2019

Nicolau & Alexandra (Robert K. Massie) – DLL 2019


Título: Nicolau & Alexandra
Autor: Robert K. Massie
Mês: Janeiro
Tema: Que deveria ter lido em 2018
Editora Rocco, 608p.

A pessoa do czar era o governo da Rússia. Seu poder era absoluto, devendo satisfações apenas a Deus.

Na Rússia autocrata de fins de 1800, o pai de Nicolau, Alexandre III governava tanto o império quanto a família com “mãos de ferro”, portanto o interesse do czarevitch em uma princesa de origem alemã, Aliex Victoria, filha de Alice da Inglaterra e neta da rainha Victoria, não despertou encorajamento na família real russa. No entanto, Nicolau negou todas as pretendentes oferecidas e finalmente conseguiu casar com a mulher por quem se apaixonou. Em 1894, ele sucede ao pai no trono e se casa com Alix, agora Aexandra Fedorovna, no mesmo ano. Um homem pacífico e até ingênuo como czar, Nicolau começou seu reinado quando a Rússia passava por um momento de avanço cultural e intelectual. Incitado pelo kaiser alemão Guilherme II, ele expande o território russo pela Ásia, mas cria atritos com o Japão e tem sua imagem difamada na Rússia e no mundo.
No âmbito pessoal, Nicolau se mostra realizado com o nascimento de seu filho Alexei, já sendo pai de Olga, Tatiana, Maria e Anástacia. Mas a alegria durou pouco, pois o tão esperado herdeiro era hemofílico. Antes já devotada a ortodoxia russa, Alexandra se tornou paranoica, voltando-se totalmente para a religião em busca de uma cura para a doença do filho (de quem ela tomava conta pessoalmente, como foi com as filhas), já que que os médicos não conseguiam resolver nada. Ela também era movida pela culpa que sentia, já que a hemofilia é uma doença transmitida de mãe para filho. É nesse momento que surge Gregório Rasputin.

“A doença do czarevich lançou uma sombra sobre todo o período terminal do reinado do czar Nicolau II, e basta para explicar. Sem que parecesse, foi uma das principais causas de sua queda, pois tornou possível o fenômeno de Rasputin e resultou no fatal isolamento dos soberanos, que viviam num mundo à parte, totalmente absorvidos numa trágica ansiedade que precisava ser escondida de todos os olhares.” – Pierre Gilliard, Tutor do czarevich Alexei

Um camponês siberiano de origem humilde, Rasputin começa a circular nos aposentos reais desde que conseguiu tratar uma grave crise de Alexei, a ponto das pessoas se mostrarem incomodadas com a familiaridade demonstrada entre o recém-conhecido e a imperatriz (o que mais tarde leva ao surgimento de boatos ofensivos e mentirosos). Até hoje não se pode afirmar com certeza quais os métodos usados por Rasputin para dar fim as crises do menino (mesmo que o que ele fizesse dava sim resultado), o fato é que através desses procedimentos, o camponês caiu nas graças da imperatriz, que começou a acreditar na santidade dele, e portanto, que todos os seus conselhos e “visões”, inclusive sobre assuntos sérios como a participação da Rússia na I Guerra Mundial e o governo do país nesse período, deveriam ser levados a sério por todos, inclusive pelo próprio imperador.
Nem mesmo a morte de Rasputin conseguiu desfazer a insatisfação popular. Alexandra se tornou o principal alvo dos acusadores, então para conter o descontentamento e evitar uma guerra civil, Nicolau II assina sua renuncia ao trono no dia 15 de março de 1918, dando poder total ao Governo Provisório e findando uma dinastia de 300 anos. Em 16 de julho, Nicolau, sua família e seus acompanhantes são assassinados a sangue frio pelos bolcheviques. Os corvos são carbonizados e enterrados na floresta de Ekateringurb, cidade que se tornou a última morada da família imperial após lhe serem negados pedidos de asilo. Ao longo dos meses seguintes, muitos integrantes dos Romanov são mortos, só sobrevivem os que conseguem fugir do país.


Neste mesmo desafio ano passado, eu selecionei esse livro esse livro (até porque fez 100 anos da morte do czar Nicolau e sua família e da Revolução Russa), mas acabei não lendo, achei ele enorme demais e o tempo não daria, então sabia que teria que ler esse ano. Poucas vezes eu tive um prazer tão grande lendo uma biografia histórica como essa, o último livro que me proporcionou uma leitura agradável assim foi O assassinato do arquiduque. Robert K. Massie fala com maestria impressionante não somente da vida de cada um dos personagens principais desse capítulo da história, mas também da situação política da época. Além de aprender o porquê dos nomes Nicolaievich e Alendrorovna (os sufixos masculino “vich” e feminino “ovna” são adicionados aos nomes das pessoas para indicar o nome do pai), foi interessante perceber o quanto ele, como historiador, põe nas mãos da imperatriz a responsabilidade pela queda do império russo.

Alexei tinha hemofilia.

Suas colocações de que, como pessoas reais que precisavam passar uma imagem de perfeição, se a família tivesse aberto desde o início para o público a condição de saúde do pequeno Alexei, ainda mais em uma época em que a hemofilia era uma doença envolvida em mistério, as pessoas poderiam ter se solidarizado com o desespero de uma mãe e talvez tudo teria sido diferente. Ele mostra o quanto Alexandra, mesmo esgotada psicologicamente com a doença do filho, trabalhou para preservar a união do império, sem “permitir” qualquer tipo de concessão por parte do marido (eles confiavam muito um no outro), porque era a herança de Alexei, abrindo um caminho maior para a revolução.

Experimentei vários sentimentos lendo esse livro. Parece que no assunto “Rasputin”, a coisa girava em círculos: Alexandra dependia de Rasputin para tudo e quando o marido partiu para a guerra, ela só ouvia os seus conselhos. Exortando o marido a fazer o mesmo, Alexandra não recebia uma recusa aberta, e acabava tendo seu desejo atendido porque Nicolau queria acalmá-la, mesmo que visse o starets com algo próximo a respeito cético. Ele, então acatava as escolhas de Alexandra, as quais eram sussurradas por Rasputin. E foi isso que o levou a perder o trono.

Embora o czar achasse muito natural admitir sua esposa em segredos militares, ele não queria que ela os transmitisse a Rasputin. Muitas vezes, após confiar a ela vários detalhes, ele escrevia: “Peço-lhe, meu amor, não comunicar esses detalhes a ninguém. Escrevi apenas para você... Peço-lhe, guarde para você, absolutamente ninguém mais deve saber disso.” Quase com a mesma frequência, Alexandra ignorava o pedido do marido e contava a Rasputin. “Ele não vai contar a vivalma”, ela garantia a Nicolau, “mas tive que pedir a bênção dele para sua decisão.”

A grande ironia da coisa toda é que, ao mesmo tempo em que parece que Alexandra foi injustiçada (pois ao se casar com Nicolau, ela assumiu o papel de mãe do povo, visitando hospitais para tuberculosos, colocando as filhas para fazer o mesmo e as educando para conhecer o mundo real, além de se desgastar com os cuidados que prestava a Alexei), era também enlouquecedor ver o nível de adoração que ela tinha por Rasputin, mesmo que isso se justifique no fato de que ele foi o único a aliviar a dor de seu filho e assim, diminuir a culpa que sentia por passar a doença.

Ao mostrar como era a vida dos imperadores, o autor mostra que a aceitação de Alexandra pelo povo e pelos nobres não foi possibilitada pela própria, já que, além de sua origem alemã, e o fato de ter se transformado na imperatriz da Rússia de forma muito rápida, sua timidez característica também não permitia que ela se sentisse à vontade nos círculos reais. Mais tarde, com a doença do filho progredindo, a culpa que ela se atribuía por transmitir a hemofilia e sua devoção cega a Rasputin fizeram com que ela passasse a ser odiada, e por conseguinte, seu marido, acusado de estar sob o controle dela e do amante (boato que correu na época devido a intimidade existente entre o camponês e a imperatriz).

Igreja do Sangue em Ecaterimburgo, construída no lugar onde Nicolau II e sua família foram mortos em 1918.

Massie mostra que a queda dos Romanov e a Revolução Russa ocorreram devido a vários fatores não isolados e extremamente coligados, ele não poupa nenhum detalhe, inclusive na descrição do assassinato da família imperial e o que aconteceu com seus restos mortais. Um livro tão completo quanto comovente, que capta a atenção do leitor desde a primeira página. Não tenho palavras para dizer o quanto eu o recomendo, e já posso dizer que é um dos melhores livros do ano.

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