17 de mar. de 2021

Ladrões de livros (Anders Rydell) – PSRC 2021



Título: Ladrões de livros 
Autor: Anders Rydell 
Mês: Março 
Tema: Um livro onde o personagem principal tem o mesmo trabalho que você ou seu trabalho dos sonhos 
Editora Planeta do Brasil, 416p. ]

Onde livros são queimados, no fim, as pessoas também serão queimadas. 
Heinrich Heine, 1820 

Uma placa com esses dizeres se encontra na Bebelplatz, praça onde em 1933, ano em que os nazistas chegaram ao poder, foi realizada a mais famosa cerimônia de queima de livros da história. Hoje, no local da queima, existe um memorial feito pelo israelense Micha Ullman: no chão, uma sala subterrânea, exposta através de um vidro, com várias prateleiras brancas e vazias, onde caberiam 20 mil livros. Essa queima de livros não foi o primeiro ataque a literatura realizada na época e foi uma iniciativa que partiu da organização que reunia federações estudantis alemães. O autor fala que no início, os estudantes deveriam começar a “limpeza” dentro de suas próprias bibliotecas, e essa ação mais tarde foi feita nas bibliotecas públicas e livrarias locais. Muitos livros e documentos foram destruídos pelos próprios donos, judeus e comunistas que começaram a perceber o que estava a caminho. O autor salienta que os nazistas também tinham outra coisa em mente ao roubar livros: eles queriam criar um “novo intelectual”, que se baseasse em sua nação e raça. Os saques a bibliotecas e coleções tinham um objetivo muito claro em mente: 

Nessa guerra, os livros teriam menos o papel de vítimas, e mais o de armas. Os nazistas queriam derrotar seus inimigos não apenas no campo de batalha, mas também no campo das ideias. Essa vitória perduraria muito depois da morte, depois dos genocídios e do Holocausto. Não se tratava apenas de aniquilar, mas também de justificar suas ações. O que garantiria o triunfo dos nazistas não era a destruição da herança literária e cultural de seus inimigos – era seu sequestro, sua posse e sua distorção, que possibilitariam fazer com que as bibliotecas e arquivos, a história, a herança e a memória desses grupos se voltassem contra eles mesmos. Era se apropriar do direito de escrever a história desses grupos. Foi um conceito que deu início ao maior roubo de livros da história do mundo.


Cada capítulo do livro aborda um local diferente, e cada um deles. Na Zentral- und Landesbibliothek (Bibliotecca Central de Berlin, imagem acima), construída onde antes era a Berliner Stadtbibliothek que foi destruída na guerra, hoje se encontram livros roubados que ainda esperam ser identificados, e que não se ignora a origem dos livros. Pelo contrário, o bibliotecário atual sabe que seus antecessores não só sabiam da origem dos livros mas também tentaram esconder essa parte da história, arrancando páginas ou apagando ou rasgando os carimbos dos proprietários. 
Em uma casa pequena atrás da Bayerische Staatsbibliothek, em Munique, o historiador Stephan Kellner e seus colegas examinam o acervo da biblioteca com foco nos roubos ocorridos durante a guerra, dando ênfase ao que ele chama de biblioteca de Himmler. 
Eu especificamente gostei do capítulo onde o autor cita os principais locais saqueados pelos nazistas na Holanda. Um deles foi a Bibliotheca Rosenthaliana, da Universidade de Amsterda, onde o acervo hoje é em grande parte dedicado a história dos judeus holandeses, apesar da biblioteca ter origem na Alemanha: 

“As origens da biblioteca estão ligadas a Leeser Rosenthal em meados do século XIX. Ele era um rabino nascido na Polônia que trabalhava em Hannover para as famílias ricas da cidade, o que lhe deu a oportunidade de montar o acervo na época. Ele colecionava livros sobre a história dos judeus alemães, escritos religiosos e sobre o Iluminismo Judaico”[...] 

O acervo de Rosenthal era visto na época como uma das melhores coleções privadas judaicas da Alemanha. A biblioteca era composta de seis mil volumes e uma coleção de manuscritos. Em 1880, a família decidiu que iria doar o acervo para a Universidade de Amsterdã. A família também se ofereceu para pagar um bibliotecário, o que continuou a fazer até o começo da Primeira Guerra Mundial, quando caiu na ruína financeira depois de fazer investimentos na rede de ferrovias húngara. [...] 
O acervo cresceu rapidamente depois de ir para Amsterdã, onde foi complementado com literatura sobre os judeus da Holanda. Na época da Segunda Guerra Mundial a biblioteca havia multiplicado várias vezes de tamanho. “Alguns dos colecionadores judeus de Amsterdã esconderam seus livros na Rosenthaliana na esperança de que ficassem a salvo lá. Achamos que alguns desses livros ainda estão aqui, mas não sabemos como encontrá-los”[...]


Outro local é a biblioteca da Sinagoga Portuguesa, Ets Haim (acima), fundada em 1616 e, segundo o autor, ela reflete a crise existencial enfrentada pelos judeus sefarditas depois de chegar a Amsterdã, pois muitos foram obrigados a se converter ao cristianismo, mas ao chegarem na Holanda, puderam retomar suas crenças. Tanto a Rosenthaliana quanto a Ets Haim atraíram a atenção de Johannes Pohl, encarregado de chefiar a seção judaica do Institut zur Erforschung der Judenfrage, de Roosenberg, líder ideológico nazista. 
Em Paris, ele cita os saques a dois centros de história importantíssimos: a Alliance Israélite Universelle, cujos responsáveis tentaram proteger o acervo através de esconderijos em bunkers e de mandar o acervo pra longe; e a Bibliothèque Russe Tourgueniev, fundada em 1875 pelo revolucionário russo German Lopatin com a ajuda de seu compatriota, o escritor Ivan Turguêniev. E em Roma, ele fala da Biblioteca del Collegio Rabbinico Italiano , pertencente a uma escola rabínica fundada em 1829 e cuja parte mais valiosa do acervo se encontra no Centro Bibliográfico; e do sumiço da Biblioteca dela Comunità Israelitica, uma biblioteca mais antiga que fazia parte de uma sinagoga em Lungotevere de’Cenci. 


Um dos melhores capítulos é sobre Theresienstadt (acima), a cidade guarnição que contava com uma biblioteca onde se encontrava parte dos livros saqueados, construída para parecer a cidade dada aos judeus por Hitler, onde artistas, atores, músicos, escritores e outros intelectuais eram usados como meio de propaganda, mas que na verdade era um campo de concentração. O livro vai mais adiante, ao relatar as tentativas de devolução dos livros às bibliotecas e aos sobreviventes (ou seus descendentes) do holocausto. 
Um livro que eu posso chamar de completo, informativo, elucidativo e completamente indicado para se saber mais sobre o terror que os nazistas espalharam pela Europa durante a Segunda Guerra Mundial, um terror que não deve jamais ser repetido. Mil estrelas.

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