16 de mar. de 2020

Caçadores de obras-primas (Robert M. Edsel) – DLS 2020


Título: Caçadores de obras-primas
Autor: Robert M. Edsel
Mês: Março
Tema: Um livro que virou filme ou série de TV
Editora Rocco, 524p.

[...] Para a maioria dos soldados, guerra era uma circunstância. Mas para alguém como James Rorimer, era a missão de toda uma vida. Hitler tinha dado o tiro de advertência no mundo das artes em 1939, quando a blitzkrieg da Polônia incluiu unidades encarregadas do roubo deliberado de peças de arte e da destruição dos monumentos culturais daquele país. O evento divisor de águas veio logo depois, quando os nazistas capturaram o retábulo Veit Stoss – um tesouro nacional polonês – e o levaram para Nuremberg, na Alemanha. [...]

Durante a Segunda Guerra Mundial existiu um grupo de soldados chamados Monuments Man responsáveis por dificultar ou impedir que os nazistas comandados por Hitler roubassem ou destruíssem obras de artes e monumentos históricos espalhados pela Europa. A estimativa é que em sua campanha para transformar a Alemanha no centro no novo reich, os nazistas tenham se apossado de mais de 5 milhões de objetos de vital importância para a cultura mundial.
Obras famosíssimas foram roubadas de museus e colecionadores particulares, principalmente judeus. No início, o trabalho dos Monuments Man era diminuir os dados causados as bibliotecas, museus e arquivos, mas o avanço das tropas de Hitler levaram esses homens a localizarem os objetos perdidos ou roubados, e no fim da guerra, a devolvê-los.

Eu já havia lido um livro sobre esse tema, Salvando a Itália, para outro desafio esse ano, então já sabia como funcionava o trabalho dos MM. A diferença é que neste livro de agora, o foco não está focado em um país só. A pesquisa de Edsel engloba a ação desses soldados na França, Bélgica e a própria Alemanha. Novamente fiquei impressionada com o nível da pesquisa feita pelo autor, que mostra os nazistas como saqueadores que não tem a verdadeira noção do valor do seu saque, mas também como organizadores de obras de arte, que montaram relatórios sobre os objetos mais valiosos, com seus nomes e de que lugar haviam sido tirados, com o objetivo de facilitar aos oficiais que escolhessem para suas coleções particulares.

Em 1940, Hitler (por intermédio de Goebbels, seu ministro da propaganda) havia encomendando um inventário, mais tarde conhecido como o Relatório Kümmel – nome de seu principal copista, o Dr. Otto Kümmel, diretor geral dos Museus Estaduais de Berlim. O inventário relacionava todas as obras de arte do mundo ocidental – França, Países Baixos, Grã-Bretanha e até os Estados Unidos (que Kümmel disse possuir nove dessas obras) – que por direito pertenciam à Alemanha. Segundo a definição de Hitler, isso incluía todas as obras tiradas da Alemanha desde 1500, todas as obras de qualquer artista de ascendência alemã ou austríaca, todas as obras encomendadas ou terminadas na Alemanha, e todas as obras consideradas feitas em um estilo germânico. O Retábulo de Gand era nitidamente um modelo e emblema definidor da cultura belga, mas para os nazistas era de estilo “germânico” o suficiente para pertencer a eles.

A Adoração do cordeiro místico ou Retábulo de Grand (como é mais comumente conhecido), foi encomendado a Hubert van Eyck e terminado em 1432. Composto de 24 obras individuais com temas associados, a peça completa tem em seu painel central a origem de seu nome, mostrando o Espírito Santo na forma de uma pomba brilhando sobre ele e a multidão em torno.

JAN VAN EYCK, RETÁBULO DE GHENT (interior), 1432. Óleo sobre painel, 3,5 x 4,6 m. Catedral de Saint Bavo, Ghent, Bélgica. Reproductiefonds/photo Hugo Maertens)

Um dos tesouros artísticos mais importantes da Bélgica, seis dos painés do Retábulo haviam pertencido ao estado germânico até o fim da Primeira Guerra Mundal, quando o Tratado de Versalhes obrigou os alemães a entregarem a obra como indenização de guerra à Bélgica. Daí a fixação de Hitler.

Hitler sabia que era impossível roubar obras-primas famosas na escala do Retábulo de Gand sem atrair a condenação do mundo. Embora tivesse a mentalidade de um conquistador – ele acreditava que tinha direto aos espólios de guerra e estava determinado a tê-los –, Hitler e os nazistas tinham feito de tudo para estabelecer novas leis e procedimentos a fim de “legalizar” as atividades de pilhagem que se seguiriam. Isto incluía obrigar os países conquistados a lhes darem certas obras como termo de rendição. Países do Leste Europeu como a Polônia estavam destinados, segundo o plano de Hitler, a se tornarem desertos industriais e agrícolas, onde escravos eslavos produziriam bens de consumo para a raça dominante. A maior parte dos ícones culturais foi destruída; seus grandes prédios arrasados; suas estátuas derrubadas e derretidas para fazer balas e bombas de artilharia. Mas o Ocidente era a recompensa da Alemanha, um lugar para arianos desfrutarem os produtos de sua conquista. Não havia necessidade de privar esses países de seus tesouros artísticos – pelo menos não de imediato. O III Reich, afinal de contas, duraria mil anos. Hitler deixou intocadas obras de estatura comparável a do Retábulo de Gand, tais como Mona Lisa e A ronda noturna, mesmo sabendo exatamente onde estavam escondidas. Mas ele cobiçava o Cordeiro.

Tenho que dizer que duas coisas me impressionaram nesse livro: o fato de ter uma mulher fazendo de um tudo na França para evitar o roubo das artes, e quando isso não foi possível, para descobrir para onde os objetos roubados haviam sido levados. Seu nome era Rose Valland, que trabalhava no Jeu de Paume e serviu como espiã para Jacques Jaujard, diretor dos Museus Nacionais da França. Rose Valland, com vontade e coragem de ferro, se manteve no museu durante os vários saques, peitando oficiais nazistas e foi responsável por retardar a partida dos últimos trens alemães transportando valiosas obras de arte dos maiores colecionadores particulares franceses.
A segunda coisa foi descobrir que o castelo de Neuschwanstein, obra do rei bávaro Ludwig, construído no século XIX, serviu como ponto de guarda para, dentre outras, 20 mil obras roubadas que passaram pelo Jeu de Paume. Devido a sua localização (ele estava no alto de um afloramento rochoso nos Alpes Bávaros, isolado e quase inacessível aos veículos modernos), os Monuments Men levaram seis semanas para esvaziá-lo, utilizando os vários lances de escada (não existiam elevadores).

NEUSCHWANSTEIN, ALEMANHA: (National Archives and Records Administration, College Park, MD)

Por ser mais “completo” e dar um panorama mais geral, ao invés de focar em somente um país, eu aproveitei mais a leitura desse livro. Gostei muito de ver que uma mulher teve um papel ativo na proteção das obras, sem nunca abaixar a cabeça para os desmandos nazistas, mesmo quando sua vida estava em jogo. Também foi interessante ver o trabalho dos Monuments Men dentro da própria Alemanha, mesmo quando os horrores dos campos de concentração nazistas chegaram ao conhecimento dos oficiais aliados e fizeram com que o ódio pela Alemanha aumentasse. Como Salvando a Itália, esse livro é um verdadeiro tesouro para amantes de arte e história. Completamente indicado.

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