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16 de dez. de 2020

A história da família de Anne Frank (Mirjam Pressler) – DLL 2020

 


Título: A história da família de Anne Frank 
Autora: Mirjam Pressler 
Mês: Dezembro 
Tema: Um livro de autor alemão 
Editora Record, 404p. 

O diário de Anne Frank é um dos livros mais conhecidos e marcantes do século XX. O relato de uma menina judia sobre o tempo em que ficou com sua família e alguns desconhecidos escondida em um anexo secreto durante alguns anos da Segunda Guerra Mundial ainda hoje emociona leitores mundo afora. Quase um século depois, no sótão da casa de um de seus primos, Buddy Elias, foram encontrados maços de documentos, cartas e fotos sobre a família Frank. Através desses papéis, traça-se um relato da vida de uma das famílias judaicas mais famosas que foram vitimadas pelo holocausto. 

"Quem poderia saber disso antes?", respondeu Otto em voz baixa. "Quem poderia imaginar uma coisa assim?" Então Erich falou que todos eles deveriam ter sabido disso, pois os nazistas nunca esconderam o ódio em relação aos judeus. "O mais tardar depois das leis de Nuremberg, teríamos de saber disso; o caminho para Auschwitz passava diretamente por Nuremberg. E, aliás, Hitler já havia formulado isso claramente em seu livro Mein Kampf. Antes mesmo da guerra, um cliente mostrou-me o parágrafo que até hoje ainda sei de cor. Dizia claramente: ‘Os alemães são uma raça de homens superiores, que foram eleitos para dominar, escravizar ou dizimar pessoas de raças inferiores.’” Erich calou-se e, em seguida, acrescentou: “Naturalmente, ele se referia sobretudo a nós, os judeus, isso estava claro. No entanto, ninguém poderia imaginar que urn povo, que tinha produzido um Goethe e um Schiller na literatura, fosse capaz de uma barbárie assim."

Tudo que é relacionado a Anne Frank me interessa. Fazia um tempo que eu andava louca para ler esse livro, e foi uma sorte poder encaixá-lo em um tema do desafio esse ano. Só posso dizer que esse livro foi uma verdadeiro achado! Quando se pensa em holocausto, impossível não pensar em Anne Frank e na sua família, vivendo por dois anos escondida em um anexo de uma empresa. O que nunca se pensa é na família que ficou fora desse esconderijo. Pois bem, esse livro, dividido em três partes, cada um correspondendo a uma pessoa da família (Alice Frank, mãe de Otto e avó de Anne; Helene Elias, irmã de Otto e tia de Anne; Buddy Elias, primo de Anne), faz uma volta ao tempo, falando da família Frank desde o tempo do tataravô de Anne até Buddy Elias, primo da menina e um dos poucos que sobraram da família até os dias atuais (Buddy faleceu em 2015). As partes que mais me tocaram foram as partes narradas por Helene (Leni), que pega a época em que eles ficaram desaparecidos (sim, desaparecidos, porque se esconderam e a comunicação com a família cessou) e mais tarde a volta de Otto Frank, com a notícia da morte de sua esposa e filhas: 

Otto Frank perguntava incansavelmente para todas as pessoas que retornavam dos campos de concentração se tinham alguma informação de suas filhas; lia todas as listas que eram publicadas nos jornais; buscava notícias regularmente na Cruz Vermelha, que mantinha um registro atualizado dos sobreviventes e compilava declarações de testemunhas sobre vítimas. Foi uma época terrível, na qual se ficava à espera para ver quem regressava, quem havia tido a sorte de se esquivar da morte e quem se supunha que não estaria mais vivo — um tempo de esperanças, de rumores, de suposições, de verdades atrozes. Finalmente, em 18 de julho de 1945, Otto Frank descobriu o que tinha acontecido com suas filhas. Nas listas da Cruz Vermelha, ele viu a funesta cruz ao lado dos nomes de Margot Betti Frank e Annelies Marie Frank. Ele solicitou o nome e o endereço da mulher que havia dado a informação. 
As suspeitas, que Otto, sem dúvida, já tinha, transformaram-se em certeza. Ele informou a sua família e enviou uma tradução da declaração de Lien Brilleslijper, uma mulher que estivera em Bergen-Belsen juntamente com sua irmã Jannie, onde conhecera Margot e Anne. 

Na parte de Buddy, o relato de Otto sobre a descoberta da morte da esposa, de Margot e Anne, sua decisão sobre publicar o diário e sobre sua vida depois de todo o trauma que sofreu são as partes que prendem muito a atenção. A surpresa do pai ao ler o diário da filha e sua sensação de que não chegou a conhece-la de verdade, isso me tocou de uma maneira forte demais. [

[...]"Anne era uma criança, sem dúvida, mas com uma maturidade intelectual que muitos adultos não têm e que talvez nunca venham a alcançar. Eu não conhecia a minha filha até ler os seus diários. Isto me dói. Eu nunca a conheci realmente, e você, Buddv, tampouco. Nenhum de nós sabia o que se passava em sua cabeça. Para mim, era uma criança que amei, como se ama um filho, embora tenha também frequentemente me irritado com ela. [...] Para mim, ela era uma criança espevitada e despreocupada; o seu lado interior eu não conhecia. Agora é tarde demais para demonstrar-lhe o meu reconhecimento, a minha admiração e o meu orgulho; e isso me dói muito. Ela era uma pessoa muito especial, mas eu só consegui enxergar a criança. Com o seu diário ocorreu algo semelhante: eu o via apenas como o diário íntimo de uma menina, e isso me perturbou muitíssimo, pois também vivi tudo aquilo e, de repente, eu tinha o seu ponto de vista sobre o esconderijo e a situação como um todo. Então, passei alguns fragmentos do diário a meu amigo Albert Cauvern e para o dr. Baschwitz, e também li alguns trechos para Werner e Jetty Cahn. Todos são pessoas que entendem do assunto. Ao ver suas reações, percebi que era muito, muito mais do que o diário ele uma menina em fase de crescimento. Anne equivocou-se muitas vezes; em outras, foi injusta e precipitada no seu julgamento, mas escreveu algo universalmente válido sobre a convivência de pessoas que se encontram em situações-limite e sobre a própria condição humana, a humanidade e a fé na vida. Sim, agora eu estou convencido de que foi acertado publicar o seu diário. E não sou o único."[...] 

E também a vida depois da descoberta e publicação do diário de Anne, e o consequente sucesso, explícito no artigo “Kinderstimme” (A voz das crianças), escrito para o jornal Het Paroot, pelo professor catedrático de história em Amsterdã, dr. Jan Romein:


Por casualidade, chegou às minhas mãos um diário escrito durante os anos de guerra. [...] Se os indícios estão corretos, esta menina, caso ainda estivesse viva, teria se tornado uma talentosa escritora. Ela veio da Alemanha com 4 anos e, dez anos mais tarde, já escrevia num holandês invejável, claro e objetivo. Ela faz uma análise sobre as deficiências da natureza humana — não excluindo as suas próprias de uma maneira tão exata que se viesse de um adulto já seria surpreendente, quanto mais se tratando de uma criança. Ela mostra ainda as infinitas facetas dessa mesma natureza humana, que se encontram no humor, na compaixão e no amor, as quais possivelmente surpreenderiam as pessoas e diante das quais, como ocorre com tudo aquilo que é extraordinário, elas sem dúvida se assustariam, caso essa rejeição e aceitação não fossem tão intimamente infantis. O fato de que esta menina foi sequestrada e morta é para mim uma prova de que nós perdemos a luta contra o nosso lado animal. E perdemos porque não contrapusemos nada de positivo. Nós seguiremos perdendo sempre, independente de que forma a desumanidade nos ameace, se nos mostramos incapazes de contrapor algo positivo. Não é suficiente a promessa de que nunca esqueceremos nem perdoaremos. Da mesma forma, também não basta manter essa promessa. A resistência passiva e negativa é insuficiente e não significa nada. Uma democracia "totalitária" ativa e positiva, no sentido político, social, econômico e cultural, é o único meio de salvação: a construção de uma sociedade em que o talento não seja destruído, reprimido e ocultado, mas sim descoberto, favorecido e promovido, independente de onde ele surja. Apesar de todas as nossas boas intenções, nós estamos tão distantes dessa democracia, quanto estávamos antes da guerra. 

Por vários motivos, A história da família de Anne Frank foi um dos melhores livros de 2020. Encerrei meu ano e o desafio com chave de ouro. Livro completamente recomendado.

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